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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

"Deus falou comigo!"





Esta sentença impregnada de sentido simbólico e transcendental para os que a utilizam e para os que a escutam. É uma fórmula que garante ao usuário dizer o que quer sem ser questionado. Isto acontece, com freqüência, nos meios cristãos de características eminentemente carismáticas. Isto porque nesses arraiais a voz de Deus é reproduzida de todas as maneiras: por profecias, impostação, visões, sonhos; tudo se faz em nome do “Deus falou comigo!”


Os apelos desta sentença ultrapassam os limites do bom senso e às vezes com nítida leveza daquele que se arroga no direito de ser o que não é e de dizer o que não lhe foi mandado pelo menos por Deus.
“Deus falou comigo!” passa um estado de espiritualidade falso para quem pensa que o fato de estar falando em nome de Deus quer dizer que Deus está falando por ele.


O irrefletido dessa sentença para aqueles que a usam indiscriminadamente está na falta de coerência cristã, em falar como se Deus fosse, tendo como dispositivo de confirmação uma declaração muitas vezes oriunda de emoção.


A mais perversa das violências vista na História aconteceu quando a Igreja se assenhoreou do “Deus falou comigo!” para praticar seus crimes. E para lutar contra a onipotência destas palavras, as vidas de milhares de pessoas foram ceifadas.


Não podemos, agora, preterir o passado que se construiu com lágrimas, sangue, e voltar a infalibilidade de um suposto ad veredictum. Há algumas coisas a destacar sobre os erros que rondam a sentença “Deus falou comigo!” quando utilizada equivocadamente.


Primeiramente, ela peca por se apresentar com uma face de espiritualidade diferenciada. Ou seja, Deus falou comigo e com mais ninguém. Aqui é onde surgem os gurus evangélicos e as cartomantes-monoteístas-évangélicas.


Segundo, ela pode e geralmente traz um apelo de infalibilidade que desemboca na mais nefasta perversão do sagrado, que é a sua manipulação.


Terceiro, ela por vezes tira o lado humano de quem prega, eliminando o inusitado de quem é usado por Deus, apesar de suas ambigüidades.


Quarto, ela gera uma sensação de onipotência, porque, quem fala, fala como se estivesse no andar de cima, garantindo-se na subjetiva fórmula “Deus falou comigo!”.


Quinto, a sentença produz uma inconsciência no que fala, pois se esquece que quem está falando é ele, em nome de Deus, e não Deus de fato e de verdade.


Sexto, é que a sentença configura um “deus” com voz divina e sentimento humano, nada mais falso e mesquinho.


Sétimo, é que o “Deus falou comigo!” fala como se comigo não pudesse falar, mas só com o que fala.


Com urgência precisamos rever nossos critérios de avaliação com respeito a Deus e à sua maneira de ir e vir na história humana; isto porque a cultura evangélica atual está impregnada de um sentir que sente mais do que devia e mais do que diz estar sentindo, e que vive sentindo e dizendo compreender tudo de Deus, por conta de uma suposta espiritualidade.
Inadvertidamente, as pessoas estão medindo espiritualidade pela quantidade de arrepios, vibrações e sensações que sentem em cada reunião, e não pelo que lhes afirma a Palavra de Deus.




A cultura espiritual da sintomania se desdobra em várias nuances. Os seus adeptos, por vezes, se sentem absolutos em julgar e pré-julgar as ações de Deus num culto, e só mediante a sua palavra é que a presença de Deus é confirmada entre o povo. Em outras ocasiões infelizmente, algo que não é raro a cultura da sintomania vem delineando uma postura cristã distorcida, através de orações exibicionistas, visões escandalosas e profecias cartomantizadas, tudo em nome de um “Deus falou comigo!”.


Este comentário, é lógico, não quer exibir a descrença na possibilidade de Deus falar conosco ou através de nós, uma vez que acreditamos piamente que a presença de Deus pode ser sentida pelo homem. O que está sendo levado em conta neste arrazoado é a atitude desequilibrada e equivocada dos que fundamentam sua fé em Deus nos “santos arrepios” da vida, quando se sabe que essência cristã só a tem os que não sentimentalizam a espiritualidade e não fazem de suas experiências pessoais uma sustentação cristã, mas têm a Palavra de Deus como sua bússola de orientação e seu real fundamento de vida.


Por Pr. Paulo César Lima

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