"os israelitas pediram a Gideão: ‘Reine sobre nós, você, seu filho e seu neto, pois você nos libertou das mãos de Midiã. ’
“‘Não reinarei sobre vocês’, respondeu Gideão, ‘Nem meu filho reinará sobre vocês. O Senhor reinará sobre vocês.’"Juízes 8:22 e 23.
Esse diálogo entre Gideão e líderes de tribos vizinhas pode dar a falsa impressão de que o filho de Joás era humilde demais para querer aceitar a proposta de estabelecer uma dinastia. Ou que, por outro lado, Gideão reconhecia o direito divino ao trono. Afinal, no dicionário israelita o termo “monarquia” não constava como um verbete; o que se conhecia era a Teocracia.
Se a Bíblia fosse um filme e a história de Gideão terminasse nesta cena, ele seria o mesmo herói dos flanelógrafos que mostramos às crianças na igreja. Gideão, o corajoso iconoclasta. Gideão, o líder seletivo. Gideão, o estrategista criativo. Gideão, o vitorioso abnegado. Contudo, a Bíblia é uma narrativa sem tapetes que escondam a sujeira varrida. A mensagem de Deus é objetivamente verdadeira. Gideão surge, no final da narrativa, com um espectro novo, como se nota nessas palavras:
“[…]‘Só lhes faço um pedido: que cada um de vocês me dê um brinco da sua parte dos despojos’ (Os ismaelitas costumam usar brincos de ouro.)"Juízes 8:22 e 23.
Em decorrência da vitória militar alcançada, Gideão tinha um bom moral. De fato, astribos aliadas a ele responderam ao seu pedido em uma generosa doação de ouro, que em nossas medidas atuais seria algo entre 16 a 30 kg.
O que Gideão faria com tanta riqueza?
“Gideão usou o ouro para fazer um manto sacerdotal, que ele colocou em sua cidade, em Ofra. Todo Israel prostituiu-se, fazendo dele objeto de adoração; e veio a ser uma armadilha para Gideão e sua família." Juízes 8:22 e 23.
O manto sacerdotal ou éfode, era um objeto sagrado do culto israelita. Além de um peitoral formado por doze pedras, representando as doze tribos que constituíam Israel, o éfode continha o Umim e o Tumim, duas pedras usadas para consultar a Deus – uma vez feita a pergunta pelo sumo-sacerdote, ou uma delas brilhava, indicando resposta positiva, ou a outra acendia, sinalizando resposta negativa.
O único divinamente autorizado a utilizar essa forma de consulta era o sumo-sacerdote. Quando um líder ou rei requeria uma resposta do Senhor, recorria ao sumo-sacerdote, para que este, através do Umim e Tumim descobrisse a vontade de Deus.
Provavelmente Gideão estivesse bem intencionado ao construir seu éfode particular. Ocorre que, como em nossa própria esperiência, quando rejeitamos a soberania de Deus, começamos fazendo coisas que Deus não pediu, para terminarmos executando o que Ele proíbe.
Você pode até argumentar. Olhando para os lados, com um certo nervosismo no olhar. “Mas a Bíblia não diz claramente que…”. Sua mente começa a bombardear escusas. Desculpas. Justificativas. Para você, aquilo não passa de uma questão de opinião. Algo tão particular que a igreja, a família e os amigos não deveriam se intrometer. Há um certo impulso natural que deságua em palavras arrogantes e defensivas. A razão lhe parece óbvia: você está defendendo sua individualidade.
É fato que Deus o vê e respeita como indivíduo. Ele está aberto a ouvir seus argumentos, embora nossa humanidade soe ridícula aos nossos próprios ouvidos. Somos tacanhamente apegados àquilo que desperdiça o pouco tempo de nossa vida.
Ainda assim, Deus Se enche de amor quando expressamos nossos anseios diante de Sua presença. Nossa raiva não lhe desperta ojeriza. Nossa mágoa não precisa ficar retida até que o coração se apodreça. Podemos levar tudo o que nos fere, enferruja, mofa e destroça para o colo do Altíssimo.
Quando temos a experiência de estar na presença de Deus, nossa sinceridade se torna eloqüente, ao mesmo tempo que percebemos contemplativamente aquilo que nos impede de desfrutar ainda mais de uma comunhão constante com Ele. Aquilo que defendíamos com unhas e dentes tem, então, gosto de pó. Tudo se empalidece, porque o importante é agradá-Lo e nos deleitarmos em Seu convívio.
Apenas por teimosia resistimos à essa influência regeneradora. O pecado cria uma couraça sobre a consciência, impedindo o acesso do Espírito a coração, o que nos liberaria dos pecados que carregamos sobre a forma de “minhas opiniões pessoais”.
E isso está longe de ser tudo. Continue sentado, ouvindo: quando rejeitamos a soberania de Deus, a conseqüência recai sobre nós e nossa família. Note agora o que o texto continua narrando:
“[Gideão] teve setenta filhos, todos gerados por ele, pois tinha muitas mulheres. Sua concubina, que morava em Siquém, também lhe deu um filho, a quem ele deu o nome de Abimeleque." Juízes 8:22 e 23.
Como um desvio conduz a outro, encontramos Gideão perdido pela estrada, com uma família supra-desustruturada. Imagine: setenta filhos! Gideão não fundou um orfanato, recolhendo crianças carentes (todos os seus filhos eram “gerados por ele”); este estilo de vida, que o mais bem-sucedido guerreiro da tribo de Manassés adotou no fim de seus anos, guarda semelhanças com o dos chefes tribais da época, bem como dos reis pagãos. Haréns. Muitos filhos.
Um detalhe curioso: Gideão recusou ser rei, contudo, o filho de sua concubina (que não morava na mesma cidade e apenas “se encontrava” periodicamente com ele) era Abimeleque – que significa “meu pai é rei”. A mensagem presente no nome é bem clara: no fundo, Gideão queria mesmo era reinar.
Por Douglas Reis
Nenhum comentário:
Postar um comentário